Tenho admiração por mulheres fortes, engajadas, libertárias, como Florbela Espanca, Anita Garibaldi, Indira Gandhi, Rachel de Queiroz...
Se viva fosse, Rachel de Queiroz completaria, hoje, 100 anos. Escritora cearense, nascida em Fortaleza, teve seu primeiro romance O Quinze, lançado aos 20 anos. Nos idos de 1930, o mundo das letras era dominado, totalmente pelos homens. Mas o Brasil todo parou para dar passagem a esta jovem que com talento e audácia conquistou seu espaço em um reduto antes só masculino.
Engajada politicamente, primeiro no partido comunista, depois trotskysta, apoiou o golpe militar por ser contra a posse de João Goulart, com a renúncia do presidente Jânio Quadros. Foi execrada, é claro, mas defendeu suas idéias publicamente e jamais dobrou-se.
Escreveu: "só comparo o Nordeste á Terra Santa. Homens magros, tostados. A carne de bode, o queijo duro, a fruta e a lavra seca. Um poço que é como um sol líquido...". A tematica nordestina está presente em sua obra com personagens fortes e sofridos. Sua obra mais conhecida do público jovem é Memorial de Maria Moura, por ter sido transformado em mini série de TV.
Em 1977 foi eleita para uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, sendo a PRIMEIRA mulher a conseguir tal feito.
Mas nem só de livros e politica vivia Rachel. Ela tambem gostava de cozinhar, receber os amigos fazer festas no seu sítio "Não Me Deixes", em Quixadá, interior do Ceará.
É da sua lavra uma deliciosa receita, autenticamente cearense, que vou partilhar com vocês.
BAIÃO DE DOIS
Para duas partes de feijão (de preferência de corda , maduro), uma parte de arroz. Cozinha-se o feijão com os temperos: toucinho,charque e um refogado de cebola e alho feito em azeite.
Quando o feijão estiver cozido, põe-se o arroz e deixa-se em fogo brando.
Acrescenta-se cheiro verde (coentro e cebolinha) e, pouco antes de tirar do fogo, enfiam-se pedaços compridos (como palitos) de queijo de coalho até que derretam. Não se esquecer, quando o baião estiver pronto, de jogar por cima uma boa porção de torresmo.
E, como precisamos de alimento para o corpo e para o espírito, vou transcrever uma poesia da Rachel.
TELHA DE VIDRO
Quando a moça da cidade chegou
Veio morar na fazenda,
Na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
Uma alcova sem luzes, tão escura!
Mergulhada na tristura
De sua treva e de sua única portinha...
A moça não disse nada,
Mas mandou buscar na cidade
Uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
Sua camarinha sem claridade...
Agora,
O quarto onde ela mora
É o quarto mais alegre da fazenda
Tão claro que, ao meio dia, aparece uma
Renda de arabesco de sol nos ladrilhos
Vermelhos
Que - coitados - tão velhos
Só hoje é que conhecem a luz do dia....
A luz branca e fria
Tambem se mete às vezes pelo clarão
Da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
Careteia
No espelho onde a moça se penteia.
Que linda camarinha! Era tão feia!
- Voce me disse um dia
Que sua vida era toda escuridão
Cinzenta,
Fria,
Sem um luar, sem um clarão...
Por que voce não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
Beijos e Cheiros!
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